segunda-feira, 25 de maio de 2009

Histórias do Futebol - Imortal



Invariavelmente, uma hora ou outra, eu acabaria escrevendo sobre a Batalha dos Aflitos, história essa que vai ser contada ainda por muito tempo. Aflitos foi um daqueles jogos que, tanto faz pra quem você torce, foi exemplo de futebol aguerrido, valente e lutador. Quando um time luta contra todas probabilidades e faz milagre dentro de campo. No país do futebol, onde a religião é a bola.

Mas quando um gremista me perguntou se eu gostaria que ele me contasse a visão dele da Batalha, eu propus: "escreve". E ele escreveu com detalhes a incerteza quando deu-se início a Série B naquele ano de 2005, as horas de viagem para estar com o Grêmio, onde o Grêmio estivesse, a desolação com o rumo que tomava o jogo final e a alegria de transformar um acesso pra Série A em algo que entrou pra história.

Então, pela primeira vez, eu deixei outra pessoa pôr a mão no Bigode. O texto a seguir não é meu, mas sim do Bruno Thomaz, que além de ter o coração tricolor, tem a mania estranha de correr na chuva.

A Batalha dos Aflitos contada por quem nunca vai esquecer:


Algumas horas depois daquele jogo, eu ainda estava incrédulo. Não tinha a noção exata da proporção que aquele jogo iria tomar, na mídia, na história do clube e também na vida de todos os torcedores gremistas. Mas essa história começa bem antes desse dia. Começa em 2004, quando o Grêmio teve decretado o rebaixamento, consequência de uma campanha pífia no campeonato (46 jogos, 9 vitórias, 12 empates e 25 derrotas).

O ano de 2005 começou com novo presidente, novos diretores, e sem jogadores. O Grêmio não tinha jogadores suficientes nem para fazer campeonato de futebol de botão, quanto mais para um treino coletivo.  Mas a torcida não perdia a fé naqueles que tinham a missão de reerguer o time. Os meses foram passando, jogadores entrando e saindo, treinador indo embora, até que o Grêmio buscou, faltando 48h para a estréia, um treinador oriundo do Caxias. Mano Menezes, conhecido no interior do Rio Grande do Sul, mas totalmente sem expressão e renome entre os times grandes.

E durante as primeiras rodadas da série B estávamos assustados ainda. O time oscilava muito, com algumas derrotas feias, alguns empates mornos e algumas vitórias suadas. Na nona rodada, o Grêmio foi a Anápolis, enfrentar o todo-poderoso Anapolina e saiu de lá com as calças na mão, depois de sofrer uma vergonhosa goleada de 4x0. Mas a torcida continuava acreditando naquilo que cada vez mais parecia uma utopia.

Mas seguindo adiante, aos trancos e barrancos, o Grêmio foi conquistando pontos importantes e se aproximando das primeiras posições da tabela. E finalmente se classificou para a segunda fase e foi aí que começaram as emoções de verdade. O time ainda carecia de qualidade, mas estava organizado. O Mano Menezes começava a demonstrar a competência que ele viria a mostrar para todo o Brasil alguns anos depois. E eu até então, apenas acompanhava os jogos fora de casa pela televisão e rádio, e os jogos em casa, no lugar de sempre, nas arquibancadas atrás da goleira da Cascatinha no Olímpico, cantando sem parar e apoiando o time em todos os momentos.

Porém, nesse momento minha vida se uniu de vez à causa tricolor. Entrei em um ônibus e fui rumo a Santo André naquele mês de setembro. E estava eu lá, no estádio com nome de xará meu, o Bruno José Daniel, e vi o Grêmio vencer com um gol do Ricardinho, em meu primeiro jogo fora do Olímpico naquela série B. Na sequência o Grêmio ganhou do Avaí e do Santa Cruz no Olímpico, e no início de outubro jogaria com o Avaí aqui do lado de casa, em Florianópolis. Viagem tranquila, apenas 6 horas, não hesitei e lá estava eu novamente apoiando o tricolor onde ele estivesse. Mas o que se viu não foi futebol, foi pólo aquático, tamanho o temporal que desabou sobre Floripa naquela noite. Mas não foi problema para o Grêmio, afinal sabíamos que se quiséssemos voltar para a primeira divisão, teríamos que enfrentar tudo e todos, e assim o Grêmio fez 3x1 ao natural e voltou da Ressacada já classificado para a fase final, com dois jogos de antecedência. Com quatro vitórias em quatro jogos, o Grêmio se deu ao luxo de perder os dois jogos seguinte, já preocupado com o quadrangular final.

Grêmio, Náutico, Santa Cruz e Portuguesa decidiriam quem iria para a elite em 2005. Eram duas vagas para quatro times. Uma delas estava destinada ao tricolor dos pampas. Vitória em cima do Náutico no primeiro jogo, no Olímpico. Seis horas de viagem e três aeroportos diferentes, mas lá estava eu em Recife, pela primeira e última vez na vida. Jogo no Arruda, Santa Cruz e Grêmio, empate de 1x1. A volta foi mais tranquila do que a ida.

Uma semana depois, nova viagem, dessa vez de ônibus. Fomos para São Paulo, enfrentar a Lusa no Canindé. Novos problemas, mas dessa vez com uma torcida que nada tinha a ver com aquele jogo. Ao pararmos para um lanche na Av. Paulista,  nos deparamos com um ônibus da Gaviões que estava indo para o Rio, onde o Corinthians jogaria pela Série A no domingo. Os corinthianos não devem ter gostado da aglomeração de gremistas e resolveram brincar de quem é o mais forte. Daquela vez a torcida do Grêmio levou a melhor, pois estava em maioria. Daquela vez... Mas enfim, empate com a Portuguesa e a campanha no quadrangular final estava boa, obrigado.

Estava.

O quarto jogo foi um empate SOFRIDO pra cacete contra a Lusa no Olímpico, em que o Grêmio chegou a perder de 2x0 mas conseguiu o empate graças ao goleiro frangueiro da Portuguesa. Jogo contra o Santa Cruz no Olímpico, Grêmio precisava vencer e torcer por uma vitória da Lusa no jogo contra o Náutico para garantir antecipadamente o acesso para a primeira divisão. Mas quem é gremista sabe que nada vem fácil para o Grêmio. ÓBVIO que a Lusa não iria ganhar e o Grêmio teria que buscar o resultado o último jogo. E foi o que aconteceu. 2x0 para o Grêmio no Olímpico, derrota da Lusa para o Náutico.

Pronto, semana de tensões a flor da pele. Remédios para conseguir dormir. Ansiedade crônica. Dia 26 de novembro, rodada dupla da Série B em Recife. Santa Cruz x Portuguesa no Arruda. Um quilômetro e meio ao lado, no Aflitos, Náutico x Grêmio. Não fui para Recife dessa vez, pois não havia mais $$ para isso. Resolvi assistir em um bar, junto com os demais integrantes da torcida tricolor que também não foram para o Nordeste.

“Sou o tricolor de Porto Alegre, eu tenho a minha alma azul celeste. O Grêmio é um sentimento que se ama de coração, na vida por toda a vida, dá-lhe campeão” era a música que mais entoávamos antes do começo do jogo.

Um empate bastava para o Grêmio. Mas uma derrota faria o Grêmio acabar. Uma derrota faria o Grêmio fechar as portas. Mas não se falava nisso entre os jogadores, torcedores e dirigentes. 
Na chegada da delegação tricolor ao estádio, a população recifense usou de toda a sua educação e hospitalidade, jogando pedras no ônibus, nos torcedores e nos dirigentes. O grande time do Náutico, mais hospitaleiro que o seu torcedor, cedeu um vestiário recém pintado para a delegação e também impediu o Grêmio de fazer o aquecimento no campo, colocando seguranças brutamontes na porta do vestiário. Mas nada demais, o Grêmio sabia que não seria fácil. Mas não seria um time sem tradição e sem expressão nacional como o Náutico que iria impedir a redenção do tricolor.

E o jogo se desenrolava, chato, truncado, campo ruim pra cacete, e o Náutico pressionava, o Grêmio se defendia e o juiz roubava. Pênalti para o Náutico no primeiro tempo. O lateral Bruno Carvalho chuta forte e estoura a trave esquerda. Bom sinal. Fim do primeiro tempo: 0x0.

E o segundo tempo não foi muito diferente do primeiro, até o Djalma Beltrani marcar pênalti em um toque no cotovelo de Nunes, que estava fora da área e com o braço grudado no corpo. Quando o pênalti foi marcado, houve um princípio de revolta entre os torcedores que assistiam ao jogo junto a mim. Mas aos poucos essa revolta foi virando tristeza com o desenrolar da confusão lá nos Aflitos. Patrício dá um peitaço (mais que merecido) no juiz e é expulso. Na seqüência, confusão, quebra-pau, policial agredindo jogador, e mais jogadores expulsos. Foram quatro expulsos no total. Escalona antes da confusão e três durante. Era o fim do sonho. Era o fim do Grêmio. O clima de velório era evidente entre todos os torcedores do Grêmio espalhados pelo Brasil.

E enquanto isso, no Arruda, o Santa Cruz derrotou a Portuguesa e com o empate ou provável derrota do Grêmio nos Aflitos, ia garantido o título. Chegaram a pegar uma réplica de taça qualquer e fazer uma volta olímpica no estádio.

Depois de trinta minutos de confusão, finalmente o pênalti seria batido. Adhemar, lateral esquerdo, seria o responsável pelo atestado de óbito do tricolor.

Seria.

Galatto pula para o lado esquerdo e defende o pênalti com a canela. Nesse momento eu saí correndo do bar, pulando, gritando e comemorando a defesa. Quando eu estou entrando no bar, só vejo o Anderson empurrando a bola para o fundo da rede. Inacreditável! Voltei para a rua, correndo, gritando, chorando, e muitos outros “andos”. Com sete em campo, depois de ter dois pênaltis contra si, o Grêmio conseguiu fazer um gol e conquistar aquele título da Série B.  E o time poderia fazer uma volta olímpica de verdade e deixar o pessoal do Santa Cruz feito palhaços lá no Arruda. 

Alguns minutos após o jogo, estávamos indo para a Av. Goethe (tradicional avenida das comemorações aqui em Porto Alegre) quando o celular de um amigo toca. Era o Sérgio Schueller, assessor de imprensa do Grêmio, de dentro do vestiário, com os jogadores comemorando e cantando as músicas da Geral: “Voltaremos Voltaremos, voltaremos outra vez. Voltaremos pra Primeira, como em 93". E o Sérgio dizia que aquele título era nosso, da torcida do Grêmio.

Em um só jogo o Grêmio ganhou diversos ídolos. Anderson (pelo gol inacreditável), Patrício (pela peitada no juiz), Adhemar (pelo pênalti perdido) e Galatto (pela defesa, é claro). E o Grêmio ganhava um apelido que viria a fazer a parte do dia-a-dia do clube: IMORTAL.

26 de novembro de 2005. O dia que o Grêmio renasceu.

"Sirvam nossas façanhas de modelo a toda terra".

5 Comentários:

Etevaldo disse...

Querida Jenny! O texto do Bruno está muito bom. Você poderia pedir para qualquer gremista que vivenciou aquela tarde de sábado que fizesse um texto, e todos eles dariam muita emoção a narrativa.

Realmente foi um jogo que jamais sairá de nossas memórias. Eu costumo dizer que meu pai, falecido de problemas cardíacos em 2000, se estivesse vivo naquela tarde, teria partido feliz!

Anônimo disse...

Escorreu uma lágrima, sniff...

[]'s
Compulsivo (e gremista)

Anônimo disse...

Esse foi um dos maiores feitos de um time no futebol mundial; não há dúvidas. O Grêmio mostrou o que é ter raça. E contou com mais com a sorte do que com a responsabilidade.

Por isso que eu amo ser gremista. Me lembro de tudo desse jogo, o qual tive que assistir em casa.

O Bruno só errou no finalzinho do texto. A música seria Voltaremos Voltaremos, voltaremos outra vez. Voltaremos pra Primeira, como em 83", e não 93.

Jenny Taylor disse...

Mas Biscoito, o Gremio não foi rebaixado em 92, por um acaso, pelo Botafogo :P , voltando assim a primeira divisão em 93?

83 foi o título Mundial.

Ou não... vcs que são gaúchos que se entendam rs

Etevaldo disse...

Jenny, Jenny...agora vc despertou em minha memória aquela fatídica tarde de 92,quando seu Botafogo, comandado pelo Mauricio, ex Gremio e Inter, acabou com o jogo: 3x1. Assim acabamos rebaixados.

Mas se lembrares bem, o Botafogo nem precisava vencer a partida, pois já estáva classificado. Aquilo foi uma crueldade com a nação gremista!!!

Pronto, falei...meu momento de chorão! =D

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